Criações

A Memória do Aqueduto

Em maio de  2025, partindo da nossa experiência na criação de formatos performativos híbridos, o Visões Úteis estreia “A Memória do Aqueduto”, um espetáculo  inspirado pelo Ciclo da Água, pelo Aqueduto de Adriano e pelo trabalho oculto das equipas que garantem os serviços públicos de águas e saneamento.

Carlos Costa - dramaturgo e encenador - é Diretor Artístico do Visões Úteis e docente na Universidade de Coimbra. Jorge Palinhos - dramaturgo e escritor - é artista residente no Visões Úteis e docente na Escola Superior Artística do Porto, onde também dirige a licenciatura em teatro. “Memória do Aqueduto” será a sua terceira colaboração, depois de em 2021, 2022 e 2023, partilharam a criação de “Demo Cimeira, um campeonato de jogos de tabuleiro”, “O Grande Museu da Consciência de Elon Musk, uma peça para realidade mista” e “Cidades de Bronze, um conSerto para estátuas”. 

Entre 2018 e 2020, Carlos Costa desenvolveu um longo processo de pesquisa (e escrita) para o seu segundo romance. Durante esse período, o autor desceu aos subterrâneos da cidade do Porto para  visitar a Arca da Praça 9 de Abril e as obras no Rio de Vila. Neste processo, com a colaboração das Águas do Porto (Administração, Património, equipas no terreno) teve acesso a uma descrição (de 1947) de consortes, canalizações e minas. Posteriormente dirigiu-se à Direção de Comunicações e Sistemas de Informação do Exército português, acerca dos termos da sua utilização das respectivas condutas. Os subterrâneos onde correm os mananciais - em particular os de Paranhos e Salgueiros, e os que descem do Marquês e do Alto da Fontinha -  tornaram-se uma parte importante da ficção, que se foi construindo em torno de diversas tensões sociais que - num futuro próximo - atravessariam a cidade do Porto, tal como já acontecera no primeiro romance do autor (cratera, 2018). Skyline foi editado em 2021 pela Teodolito, uma chancela do grupo Afrontamento.

George Sachinis é Diretor Artístico da Ohi Pezoume, um dos mais interessantes coletivos de Atenas, em particular no que diz respeito à performance para sítios específicos. George Sachinis é um artista e Engenheiro Civil que se divide entre o trabalho na Ohi Pezoume e a EYDAP, responsabilizando-se pela manutenção e divulgação do Aqueduto de Adriano; e neste momento com um projeto precisamente em torno do aqueduto. Neste momento, Sachinis desenvolve, em Atenas, diversos projetos artísticos e comunitários que pretendem aumentar a participação dos cidadãos  em torno da utilização e proteção do Aqueduto de Adriano, não só enquanto recurso de água mas também enquanto monumento.

Adriano, Imperador romano (século II) deu nome ao aqueduto que decidiu construir em Atenas, garantindo assim uma marca pessoal que perdurasse numa cidade (enfim, numa cultura) que tanto admirava. São quilómetros e quilómetros de túneis que ainda hoje olhamos com espanto, ou melhor, com espantos: Espanto pela eficiência da obra, com o túnel principal a ser alimentado por  túneis secundários que reforçam o abastecimento através de outras nascentes de água; espanto pelo descomunal trabalho (provavelmente escravo) que logo associamos à construção; espanto pela contraste desta obra com a outra grande obra do Imperador, um muro que dividia a Grã-Bretanha a meio, “separando a civilização dos bárbaros”; e claro, espanto pelos dois mil anos que nos contemplam nas condutas que abasteceram os atenienses até ao século XX e que ainda nos espreitam quando caminhamos à superfície.

Em 2020, a EYDAP, a empresa pública responsável pelas águas de Atenas - com mais de 4 milhões de utentes - promoveu um mapa da sua rede de abastecimento, onde se acumulam milhares de anos de construções, que não começaram sequer com o aqueduto de Adriano. O mote do projeto é ligar quaisquer duas pessoas através da mesma rede que as abastece com aquele que promete ser o bem mais importante do século XXI: a água.

Em maio de  2025, com “A Memória do Aqueduto”, pretendemos assim, aplicar literalmente o mote da EYDAP, aqui entendido enquanto fator cultural, social e económico: toque em quaisquer dois pontos para ligar pessoas através da água. Acreditamos que as redes subterrâneas, correndo em todas as direções, poderão funcionar como uma metáfora (mais ou menos contrastante) com tudo aquilo que à superfície nos divide em termos culturais, sociais e políticos. 

E sem esquecer o saneamento, esse supremo patamar civilizacional, parece-nos que a água - a água de que somos feitos, a água enquanto recurso vital para um planeta em aquecimento global, a água que os cientistas afincadamente procuram enquanto garantia de vida para lá do nosso sistema solar, a água que corre através de uma rede invisível - a água será o veículo perfeito para abordar as fronteiras (a mais) e a empatia (a menos) que nos dividem, apesar de estarmos todos ligados… pela água. Uma heterotopia, portanto.

Este trabalho será também um tributo a duas dimensões invisíveis sob os pés de todos os que vivem à superfície, por um lado as construções subterrâneas que aí se acumulam, testemunho de séculos de História; por outro lado, o trabalho das equipas que todos os dias mergulham no solo para garantir que tudo funciona à superfície.

“A Memória do Aqueduto” conta com a parceria das Águas do Porto, EM e está programada para um reservatório de água desativado, na zona do Amial, no Porto.