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Carta aberta à Ministra da Cultura - A importância da pluralidade na criação artística

Exma. Senhora Dr.ª Maria Gabriela Canavilhas

Ministra da Cultura

Ao longo das últimas décadas o Estado Português tem considerado a criação artística – a sua pluralidade e acessibilidade – como um bem público. Assim, e na prossecução deste objectivo, tem entendido financiar agentes privados (artistas e produtores) para que estes possam desenvolver a sua actividade de forma a garantir a referida pluralidade e acessibilidade. A par deste pilar da sua política de apoio às artes, o Estado Português – agora no campo específico das Artes do Espectáculo - tem também desenvolvido esforços – através nomeadamente dos Teatros Nacionais e da (projectada) Rede de Teatros Municipais - no sentido de assumir directamente iniciativas enquanto produtor.

Ou seja, tal como em outras áreas, o Estado entende que nem sempre o melhor modo de realizar o bem público é através da sua acção directa. Por isso, e sem prejuízo da sua acção através de estruturas de produção, como as referidas atrás, o Estado entende que a acção dos privados (artistas e produtores) realiza de forma mais adequada e menos dispendiosa o interesse público.

Não é por isso verdade que o financiamento a artistas e produtores implique uma demissão do Estado das sua obrigações constitucionais. Trata-se apenas da operacionalização da prestação do serviço público imposto pela Constituição da República.

Não é verdade que o financiamento da criação artística – enquanto pilar do sistema de apoio - tenha que tolher a possibilidade de o Estado se assumir como produtor. Antes pelo contrário. Seria de todo desejável um sistema misto em que ao eixo do apoio à criação artística se juntasse um novo eixo, o de uma rede de difusão com capacidade real de (co)produção.

Não é verdade que a criação ex novo de “meia dúzia” de Núcleos de Produção Estatais espalhados pelo país possa ter sentido enquanto eixo exclusivo de uma política nacional. Porque todos os modelos – neste caso os Centros Dramáticos espanhóis e franceses – têm um contexto e os contextos não são susceptíveis de importação.

Não é verdade que uma solução deste género resolva os conflitos causados pelos concursos públicos do actual modelo. Porque os concursos públicos – com este ou com aquele modelo – terão que continuar a existir enquanto garantes do Estado de Direito em que todos queremos viver. E porque não confundimos as patologias que atacam os procedimentos concursais, com os concursos públicos em si, desde já afirmamos que gostamos de concursos públicos e não gostamos de apoios convencionados.

Entendemos que só um sistema que tenha como peça estruturante o apoio directo à criação artística pode garantir a pluralidade inerente ao bem público que o Estado deve fomentar.

Entendemos que atirar o apoio directo à criação para uma dimensão residual da política de apoio às artes seria um absurdo que mais não faria do que privilegiar e alargar a teia de mediadores que se interpõe entre artistas e público, entre produtores e consumidores.

Finalmente recordamos – e sem querer retirar legitimidade à expressão individual de opinião, de que aqui damos exemplo - que existem em Portugal duas associações formais que representam agentes do sector – A PLATEIA e a REDE. Pelo que a particular legitimação destas entidades, que representam uma pluralidade de indivíduos e estruturas, deverá, nos termos da lei, ser tomada em linha de conta, sempre que se pretenda pensar a política cultural do Estado Português. Porque a política – enquanto conformação do espaço público – é coisa de espaços abertos e participados.

Com os melhores cumprimentos,

A Direcção do Visões Úteis